A LINHA DIVISÓRIA DA CRUZ  – Watchman Nee [ V ]

O reino deste mundo não é o reino de Deus. Deus tinha no Seu coração um sistema cósmico — um universo da Sua criação — que teria Cristo, o Seu Filho, por cabeça (Cl 1.16,17).

Satanás, porém, operando através da carne do homem, estabeleceu um sistema rival, conhecido nas Escrituras como “este mundo” — sistema em que nós estamos envolvidos e que ele próprio domina. Ele se tornou realmente “o príncipe deste mundo” (João 12.31).

Desta forma, nas mãos de Satanás, a primeira criação se transformou em velha criação, e Deus já não Se preocupa primariamente com aquela, e, sim, com a segunda e nova. Está introduzindo a nova criação, o novo reino e o mundo novo, e nada da velha criação, do velho reino ou do mundo velho pode ser transferido a ela. Trata-se agora de dois reinos rivais, e a qual deles damos a nossa lealdade.

O apóstolo Paulo, naturalmente, não nos deixa em dúvidas sobre qual dos dois reinos realmente é o nosso, dizendo-nos que Deus, pela redenção, “nos libertou do império das trevas e nos transportou para o reino do Filho do Seu amor” (Cl 1.13).

Para nos transportar para o Seu reino novo, Deus tem que fazer em nós algo novo. Precisa nos transformar em novas criaturas, porque sem sermos criados de novo, não nos enquadraremos jamais no reino novo. “O que é nascido da carne, é carne”; e, “Carne e sangue não podem herdar o reino de Watchman_Nee_2Deus, nem a corrupção herdar a incorrupção” (João 3.6; I Co 15.50). A carne, por mais educada, culta e melhorada que seja, continua sendo carne.

O que determina se estamos aptos para o novo reino é a criação à qual pertencemos. Pertencemos à antiga criação ou à nova? Nascemos da carne ou do Espírito? Em última análise, é nossa origem que resolve se somos aptos para o novo reino. A questão não é de sermos bons ou maus, é de pertencermos à carne ou ao Espírito. “O que é nascido da carne, é carne”, e nunca será outra coisa. O que pertence à velha criação, nunca poderá ser transferido para a nova.

Uma vez que realmente compreendemos o que Deus procura: algo inteiramente
novo para Si, perceberemos que nada há do mundo velho com que possamos contribuir para o novo. Deus nos desejou para Si mesmo, mas não nos poderia levar assim como estávamos à nova situação que nos oferece; assim, teve que acabar com nossa velha vida através da Cruz de Cristo, e então, pela ressurreição de Cristo, nos oferecer uma vida nova. “Se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas” (II Co 5.17). Sendo agora novas criaturas, com uma nova natureza e uma nova gama de faculdades, podemos entrar no novo reino, e no novo mundo.

A Cruz foi o meio que Deus empregou para pôr fim às “coisas antigas”, pondo inteiramente à parte o nosso “velho homem”, e a ressurreição foi o meio que Ele empregou para nos transmitir tudo que era necessário para a nossa vida naquele mundo novo. “Para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também andemos nós em novidade de vida” (Rm 6.4).

O maior negativo do universo é a Cruz, porque por meio dela, Deus riscou e destruiu tudo o que não era dEle mesmo; o maior positivo no universo é a ressurreição, pois por meio dela Deus trouxe à existência tudo o que Ele quer ter na nova esfera. Assim, a ressurreição está no limiar da nova criação. É coisa livro-a-vida-crist-normal-watchman-nee-415901-MLB20422116655_092015-Fabençoada ver que a Cruz acaba com tudo aquilo que pertence ao primeiro sistema e que a ressurreição introduz tudo o que pertence ao segundo. Tudo o que teve o seu começo antes da ressurreição deve ser abolido. A ressurreição deve ser, antes de tudo, o novo ponto de partida para Deus.

Temos, pois, dois mundos diante de nós, o velho e o novo. No velho, Satanás tem domínio absoluto. Você pode ser um homem bom na velha criação, mas, enquanto a ele pertencer, está sob a sentença de morte, porque coisa alguma da velha criação pode ter acesso à nova.

A Cruz é a declaração de Deus de que tudo o que pertence à velha criação tem que morrer. Nada do primeiro Adão pode passar para além da Cruz; tudo finda ali. Quanto mais cedo percebemos isso, melhor, pois foi pela Cruz que Deus traçou para nós um caminho de escape daquela velha criação. Deus reuniu, na Pessoa do Seu Filho, tudo o que era de Adão, e crucificou-O; assim, tudo o que era de Adão foi abolido por meio dEle. Depois, por assim dizer, Deus fez uma proclamação por todo o universo, dizendo: “Pela Cruz, Eu afastei tudo quanto não é de Mim; vós, que pertenceis à velha criação, estais todos incluídos nisso; vós também fostes crucificados com Cristo!” Nenhum de nós pode escapar àquele veredito.

Isso nos leva ao assunto do batismo. “Ou, porventura, ignorais que todos os que fomos batizados em Cristo Jesus, fomos batizados na sua morte? Fomos, pois, sepultados com ele na morte pelo batismo” (Rm 6.3,4). Qual é o significado destas palavras?

516phpgX1TL._UY250_O batismo, nas Escrituras, está associado com a salvação. “Quem crer e for batizado será salvo” (Mc 16.16). Não podemos falar, biblicamente, de “regeneração batismal”, mas podemos falar de “salvação batismal”. O que é a salvação? Relaciona-se não com os nossos pecados, nem com o poder do pecado, mas com o Cosmos, ou sistema do universo. Estamos envolvidos no sistema satânico. Ser salvo, significa evadir-se deste sistema para o sistema cósmico de Deus.

Na Cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, segundo diz Paulo, “o mundo está crucificado para mim, e eu para o mundo” (Gl 6.14). Esta é a ilustração desenvolvida por Pedro quando escreve acerca das oito almas que foram “salvas pela água” (I Pe 3.20). Entrando na arca, Noé e os que estavam com ele marcharam, pela fé, para fora daquele mundo velho e corrupto, com destino a um mundo novo. Não se tratava de eles, pessoalmente, não se terem afogado tanto quanto de se encontrarem fora daquele sistema corrupto. Isto é salvação.

Depois, Pedro prossegue: “a qual, figurando o batismo agora também vos salva” (v.21). Noutras palavras, aquele aspecto da Cruz que é figurado no batismo, nos liberta deste mundo mau e, pelo nosso batismo na água, confirmamos isto. É batismo “na Sua morte”, pondo fim a uma criação; mas também é batismo “em Jesus Cristo”, que visa uma nova criação (Rm 6.3). Afundamo-nos na água, e o nosso mundo, figurativamente, se afunda conosco. Emergimos em Cristo, mas o nosso mundo fica afundado.

“Crê no Senhor Jesus, e serás salvo”, disse Paulo em Filipos e “lhe pregaram a palavra de Deus, e a todos os da sua casa”. A seguir foi ele batizado, e todos os s, ., (At 16.31-34). Ao fazê-lo, ele e os que estavam com ele testificaram, perante Deus, perante o povo e os poderes espirituais, que se encontravam realmente salvos de um mundo sob julgamento. Como resultado, segundo lemos, “com todos os seus, manifestava grande alegria por terem crido em Deus”.

É claro, pois, que o batismo não é mera questão de uma taça de água, nem mesmo de um batistério de água, sendo algo muito maior, porque se relaciona tanto com a morte como com a ressurreição de nosso Senhor; e tem em vista dois mundos.

A sepultura significa o fim

Qual é a minha resposta ao veredito de Deus sobre a velha criação? Respondo, pedindo o batismo. Por quê? Em Rm 6.4, Paulo explica que o batismo significa sepultura: “Fomos sepultados com Ele na morte pelo batismo”. O batismo está, evidentemente, relacionado tanto com a morte como com a ressurreição: é sepultura. Mas quem está preparado para a sepultura? Somente os mortos. De modo que, se eu peço o batismo, proclamo–me morto e apto somente para o túmulo.

Alguns têm sido ensinados a olhar para a sepultura como um meio de entrar na morte; tentam morrer, fazendo-se sepultar. Quero afirmar enfaticamente que, a não ser que os nossos olhos tenham sido abertos por Deus, para ver que morremos em Cristo e que fomos sepultados com Ele, não temos o direito de ser batizados. A razão de entrarmos na água é o nosso reconhecimento que à vista de Deus, já morremos. É disto que testificamos. A pergunta de Deus é clara e simples: “Cristo morreu e Eu incluí você nEle; qual a sua resposta? ” Respondo: “Creio, Senhor, que Tu operaste a crucificação, e digo ‘sim’ à morte e à sepultura a que Tu me entregaste”. Ele entregou-me à morte e à sepultura; ao pedir o batismo, dou meu assentimento público a este fato.

Na China, certa mulher perdeu o marido mas, sofrendo um desarranjo mental provocado pela perda, recusou-se totalmente a permitir que ele fosse sepultado. Dia após dia, durante uma quinzena, ele jazeu em casa. “Não” dizia ela, “ele não está morto; falo com ele todas as noites”. Não queria que o marido fosse sepultado porque a coitada não acreditava que estivesse morto. Quando é que estamos prontos a sepultar os nossos queridos? Apenas quando estamos absolutamente certos de que eles fa-

leceram. Enquanto restar a mais tênue esperança de que eles estejam vivos, nunca quereremos sepultá-los. Quando é, pois, que peço o batismo? Quando percebo que o caminho de Deus é perfeito e que mereço morrer, e quando estou verdadeiramente persuadido de que, perante Deus, estou realmente morto. Digo então: “Graças a Deus que estou morto! Senhor, Tu me mataste; agora sepulta- me!”

Há um mundo velho e um mundo novo, e entre os dois há um túmulo. Deus já me crucificou, mas eu tenho que consentir em ser consignado ao túmulo. O meu batismo confirma a sentença de Deus, pronunciada sobre mim na Cruz do Seu Filho. Declara que eu fui cortado do velho mundo e que pertenço agora ao novo. Assim, o batismo não é coisa de somenos importância.

Significa para mim um corte consciente e definido com o velho modo de vida. É este o significado de Rm 6.2: “Como viveremos ainda no pecado, nós que para ele morremos? ” Paulo diz, com efeito: “se vós quisésseis continuar no mundo velho, por que serieis então batizados? Nunca deveríeis ter sido batizados se tencionáveis continuar a viver no velho sistema”. Uma vez que percebemos isto, desimpedimos os alicerces para a nova criação, pelo nosso assentimento à sepultura da velha.

Em Rm 6.5, escrevendo ainda àqueles que foram batizados (v.3), Paulo fala de estarmos “unidos com Ele na semelhança da Sua morte”, porque pelo batismo reconhecemos, em figura, que Deus operou uma união íntima entre nós próprios e Cristo, quanto à morte e à ressurreição. Certo dia, procurava eu dar relevo a esta verdade perante um irmão. Tomávamos chá juntos, e tomei um cubo de açúcar e o coloquei na minha xícara de chá.

Dois minutos depois perguntei: “Pode me dizer agora onde está o açúcar e onde se encontra o chá?” “Não”, disse ele, “o irmão juntou-os e um se perdeu no outro; não podem agora ser separados”. Era uma ilustração simples, mas auxiliou a perceber a intimidade e a finalidade da nossa união com Cristo na morte. Foi Deus que nos incluiu nEle, e os atos de Deus não podem ser anulados.

Qual é o significado real desta união? É que na Cruz fomos “batizados” na morte histórica de Cristo, pelo que a Sua morte tornou-se a nossa. As duas mortes então se identificaram tão intimamente que é impossível traçar uma divisão entre elas. É a este “batismo” histórico — a esta união com Cristo, operada por Deus — que damos o nosso assentimento quando nos adiantamos

para sermos imersos na água. O nosso testemunho público, no ba- tismo, hoje é o nosso reconhecimento de que a morte de Cristo, há dois mil anos, foi uma morte que poderosamente incluiu a todos — suficientemente poderosa e inclusiva para absorver a tudo, e para pôr termo a tudo em nós que não é da parte de Deus.

Ressurreição para novidade de vida

“Se fomos unidos com ele na semelhança da sua morte, certamente o seremos também na semelhança da sua ressurreição” (Rm 6.5).

Em relação à ressurreição, a figura é diferente porque algo novo é introduzido. Sou “batizado na Sua morte”, mas não entro na Sua ressurreição exatamente assim, porque, louvado seja o Senhor, a Sua ressurreição entra em mim, comunicando-me vida nova. Na morte do Senhor ressalta-se somente “eu em Cristo”. Com a ressurreição, embora a mesma coisa seja verdade, há uma nova ênfase sobre “Cristo em mim”.

Como é possível que Cristo me comunique a Sua vida ressurreta? Como recebo eu esta vida nova? Paulo, com as suas palavras citadas acima, sugere uma excelente ilustração, porque a palavra “unidos” (ou: “plantados juntamente”) pode ter no Grego o sentido de “enxertado”, o que nos dá uma figura muito bela da vida de Cristo comunicada a nós através da ressurreição.

Como pode uma árvore produzir fruto de outra? Como pode uma árvore inferior produzir bom fruto? Somente por meio do enxerto. Somente se nela implantarmos a vida de uma árvore boa. Mas, se um homem pode enxertar um ramo de uma árvore noutra, não pode Deus tomar da vida de Seu Filho, e, por assim dizer, enxertá-la em nós?

Certa mulher chinesa queimou o braço gravemente e foi levada ao hospital. A fim de evitar sérias contrações devido à cicatrização, achou-se necessário enxertar um pouco de pele nova na área lesada, mas o médico cirurgião tentou em vão enxertar um pedaço da pele da própria mulher no braço. Devido à sua idade e a uma alimentação deficiente, o enxerto da pele era demasiado pobre e não “pegava”. Então, uma enfermeira estrangeira ofereceu um pedaço de pele e a operação foi feita com êxito. A pele nova uniu-se

perfeitamente com a velha e a mulher saiu do hospital com o braço perfeitamente curado; mas ficara ali um remendo de pele branca e estrangeira no seu braço amarelo, para contar aquele incidente do passado.

Se um cirurgião humano pode tomar um pedaço da pele de uma pessoa e enxertá-lo noutra, não pode o Divino Cirurgião implantar a vida de Seu Filho em mim? Não sei como é feito. “O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo o que é nascido do Espírito” (João 3.8). Não sabemos explicar como Deus realizou a Sua obra em nós, só sabemos que a fez. Nada podemos nem precisamos fazer para realizá-la porque, pela ressurreição, Deus já a completou. Deus fez tudo.

Há somente uma vida frutífera no mundo, e esta vida tem sido enxertada em milhões de outras vidas. É a isto que chamamos “novo nascimento”. O novo nascimento é quando recebo uma vida que eu não possuía antes. Não se trata de a minha vida ter sido, de algum modo, modificada, e, sim, que outra vida, uma vida inteiramente nova, inteiramente divina, veio a ser a minha vida.

Deus cortou e excluiu a velha criação, pela Cruz do Seu Filho, a fim de produzir uma nova criação, em Cristo, pela Ressurreição. Encerrou a porta para o velho reino das trevas, e me transferiu para o reino do Seu Filho Amado. Eu me glorio nisso – que, pela Cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, aquele velho mundo “está crucificado para mim e eu para o mundo” (Gl 6.14). O meu batismo é o meu testemunho público desse fato. Por meio dele, assim como pelo meu testemunho oral, faço a minha confissão para a salvação.

Watchman Nee
 

Watchman Nee (倪柝聲 pinyin: Ní Tuòshēng, 4 de novembro de 1903 – 1 de junho de 1972) foi um WatchmanNee01_300x400influente líder cristão chinês no período anterior ao regime comunista, morrendo na prisão vinte anos depois, em 1972. Nee To-sheng ou Watchman Nee, o grande líder cristão chinês, nasceu numa província do Sul da China. Em sua juventude, provou ser um indivíduo dotado de grande inteligência e um futuro promissor. Ele foi consistentemente o melhor aluno da Faculdade Trinity, adquirindo excelente histórico acadêmico. Nee, naturalmente, tinha grandes sonhos e planos para uma carreira cheia de realizações.

A LINHA DIVISÓRIA DA CRUZ – Watchman Nee [ V ]

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