A Suficiência da Morte de Cristo Para Nossa Salvação – João Calvino [ 1 ]

“E desde a hora sexta houve trevas sobre toda a terra, até à hora nona. E perto da hora nona exclamou Jesus em alta voz, dizendo: Eli, Eli, lamá sabactâni; isto é, Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?

E alguns dos que ali estavam, ouvindo isto, diziam: Este chama por Elias, e logo um deles, correndo, tomou uma esponja, e embebeu-a em vinagre, e, pondo-a numa cana, dava-lhe de beber. Os outros, porém, diziam: Deixa, vejamos se Elias vem livrá-lo. E Jesus, clamando outra vez com grande voz, rendeu o espírito. E eis que o véu do templo se rasgou em dois, de alto a baixo; e tremeu a terra, e fenderam-se as pedras; E abriram-se os sepulcros, e muitos corpos de santos que dormiam foram ressuscitados; E, saindo dos sepulcros, depois da ressurreição dele, entraram na cidade santa, e apareceram a muitos. E o centurião e os que com ele guardavam a Jesus, vendo o terremoto, e as coisas que haviam sucedido, tiveram grande temor, e disseram: Verdadeiramente este era o Filho de Deus” (Mateus 27:45-54)

Vimos ontem que as zombarias e blasfêmias dos inimigos de Deus não impediram a mor- te e a paixão de Nosso Senhor Jesus de produzir e mostrar o Seu poder em meio a tanto desprezo e ingratidão do mundo. Por aqui vemos todos aqueles que eram de alguma reputação e dignidade entre os Judeus, que abertamente zombaram do Filho de Deus, mas isso não O impediu de ter compaixão de um pobre ladrão e recebê-lo para a vida eterna; todavia, de modo algum, é necessário que alguém obscureça ou diminua a glória do Filho de Deus. Se é argumentado que um pobre ladrão não é de modo algum comparável com aqueles que governam a Igreja, que eram mestres da lei; não é apropriado, quando falamos da salvação que foi adquirida por nós através da bondade gratuita de Deus, buscar a excelência em qualquer de nossas pessoas, antes devemos voltar para o que São Paulo diz:

“Esta é uma palavra fiel, e digna de toda a aceitação, que Cristo Jesus veio ao mundo, para salvar os pecadores” (1 Timóteo 1:15).

Então, quando viermos a considerar o fruto da paixão e morte de nosso Senhor Jesus Cristo, todos os homens têm que ser humilhados, e ali terão que ser encontradas neles apenas a pobreza e vergonha, a fim de que Deus possa por este meio derramar sobre eles os tesouros da Sua misericórdia, não tendo outra consideração para fornecer para nós, a não ser na medida em que Ele vê que estamos laçados nas profundezas de todas as misérias.

Desde então, esse ladrão era um homem desaprovado por todos, e Deus o chamou assim repentinamente, quando o nosso Senhor tornou eficaz a Sua morte e paixão que Ele sofreu e suportou […], isso deve muitíssimo nos confirmar. Isso não é em absoluto, então, uma questão da demonstração de Deus como Ele estende a mão para aqueles que parecem ser dignos dela e que têm algum mérito em si, ou que eram respeitáveis e de boa reputação entre os homens, mas quando Ele retira pobres almas condenadas das profundezas do inferno, quando Ele se compadece daqueles de quem toda a esperança de vida havia sido perdida, aqui é onde a Sua bondade resplandece.

Isso também é o que deve nos dar a entrada para a salvação. Pois os hipócritas, embora professem ser de alguma forma limitados pela graça de Deus, mas fecham a porta contra si mesmos, por sua arrogância. Pois eles são tão inflados com orgulho que não podem conformar-se ao nosso Senhor Jesus Cristo. Então, primeiro, nós podemos estar muito certos de que Jesus Cristo chama a Si mesmo os miseráveis pecadores que têm apenas confusão em suas pessoas, e que Ele estende os braços para recebê-los.

Porque, se não temos certeza, nunca seremos capazes de tomar coragem para vir a Ele. Mas quando nós estamos bem convencidos de que é para aqueles que são os mais miseráveis que Ele envia a salvação que Ele adquiriu, desde que eles se reconheçam como tais, e se humilhem, e estejam completamente confundidos, fazendo-se censuráveis (como eles de fato o são), perante o julgamento de Deus; é assim que devemos ser assegurados, é assim que teremos fácil participação na justiça que aqui nos é oferecida, e pela qual nós obtemos a graça e favor diante de Deus.

Ao que se diz, “E desde a hora sexta houve trevas sobre toda a terra, até à hora nona”, Em nossa língua comum diríamos das doze horas até às quinze horas. Mas o escritor do Evangelho seguiu a maneira comum de falar daquele tempo. Pois, quando diz a terceira hora, não está querendo dizer três horas, mas que essa é a primeira parte do dia. Em resumo, há aqui duas coisas a observar.

Uma delas é que eles contavam as horas de forma diferente do que fazemos hoje, pois eles contavam o dia de sol a sol, e havia as doze horas do dia, ao passo que nós medimos o dia por 24 horas, calculando a partir da meia-noite à meia-noite seguinte. Os relógios tiveram que ser feitos de forma diferente, de modo que as horas eram mais longas no verão do que no inverno, e de acordo com isso os dias eram mais longos ou mais curtos, por isso, as horas eram longas ou curtas. O outro ponto é que eles dividiam o dia em quatro quartos de três horas, e cada parte foi nomeada pela primeira hora do quarto.

Então, desde o raiar do sol até à segunda parte do dia foi chamado de a primeira hora. A segunda parte do dia começava às nove horas e se estendia até ao meio- dia, esta era por eles chamada de a terceira hora. E a hora sexta, começava a partir do meio dia e ia até às quinze horas. A última, durava até o pôr do sol e o dia estava terminado. É por isso que é dito por um dos escritores do Evangelho que Jesus Cristo foi crucificado por volta da terceira hora. E aqui é dito que isto aconteceu na sexta hora.

O escritor do Evangelho quis dizer que a partir da sexta hora até a hora nona, houve trevas. Pois nosso Senhor Jesus foi crucificado entre às nove horas e meio dia, Ele havia sido condenado acerca de nove horas por Pilatos. E São Marcos que dizer o fim da terceira hora, não o começo, quando ele descreveu o tempo em que Jesus Cristo foi levado ao Gólgota. Agora, Ele ficou na cruz até a hora nona, quando já o final do dia estava se aproximando. Por isso, é mais provável que o nosso Senhor Jesus não permaneceu em agonia na cruz por mais de três horas.

Durante esse tempo, é dito que houve trevas sobre toda a terra, isto é, a Judéia. Pois o eclipse não foi geral por todo o mundo. Na verdade, isto teria obscurecido o milagre que Deus quis mostrar. Porque eles, então, poderiam ter atribuído este eclipse às forças da natureza. Por outro lado, não há muitas pessoas que falaram dele no sentido de que isso aconteceu em outros países. Na verdade, aqueles que fazem menção disso são justamente conjecturados.

Mas eis que a terra da Judeia é que foi coberta pela escuridão. E a que horas? Por cerca de três horas depois do meio-dia, quando o sol ainda não estava prestes a se por, como se costuma dizer. Mas, para além das forças comuns da natureza devia haver escuridão para causar medo e espanto a todos. Muitos consideram que isso foi feito, como sinal de repulsa, como se Deus quisesse chamar os Judeus a prestarem contas, a fim de que eles pudessem ter algum sentimento em relação ao crime tão hediondo que eles haviam cometido, e como se Ele significasse para eles por este sinal visível que até mesmo todas as criaturas deveriam, como que esconderem-se de uma coisa tão horrível, quando Jesus Cristo foi, assim, entregue à morte.

Mas temos que observar que de uma maneira a morte de nosso Senhor Jesus Cristo teve que ser realizada como um crime terrível, isto é, no que diz respeito aos Judeus. Deus detestou também sua iniquidade e demasiada vilania, pois estas superaram a todos os outros. Na verdade, se nós odiamos o assassinato e essas coisas, o que isso será quando chegamos à pessoa do Filho de Deus? A Quem os homens foram tão loucos a ponto de quererem aniquilar Aquele que era a Fonte da Vida, que eles se levantaram para destruir a memória dAquele por Quem fomos criados, e no poder de Quem nós subsistimos!

No entanto, a morte de nosso Senhor Jesus não permaneceu meramente como um sacrifício de cheiro suave. Pois devemos sempre lembrar que [esta ocorreu para] a reconciliação do mundo, como já declarado anteriormente. Além disso, a escuridão veio a fim de que o sol desse testemunho da majestade Divina e celestial de nosso Senhor Jesus. Embora, então, por esse minuto Ele não foi apenas humilhado e se tornou desprezível diante dos homens, até mesmo esvaziando-Se de tudo, como diz São Paulo; ainda mesmo o sol homenageia a Ele, e como um sinal disso ele permaneceu escondido.

Já que é assim, então, saibamos que Deus, para tornar o perverso ainda mais indesculpável, quis que Jesus Cristo em Sua morte fosse declarado Rei soberano de todas as criaturas, e que este triunfo do qual fala São Paulo no segundo capitulo de Colossenses já começou, quando ele diz que Jesus Cristo triunfou na cruz (Colossenses 2:14, 15).

É verdade que Ele aplica isso ao fato de que Ele riscou a cédula que nos era contrária, e que Ele nos absolveu diante de Deus, e por causa disso Satanás foi derrotado; o que foi mostrado por este eclipse do sol. No entanto, os Judeus estavam convencidos de sua ignorância, mesmo de sua ignorância maliciosa e fanática, como se tivesse sido visto com seus olhos que Satanás os possuía, e que eles haviam, por assim dizer, se tornado monstros contrários à natureza. Isso, em resumo, é o que temos que lembrar quando se fala da escuridão que ocorreu.

João Calvino

Continuam…

 João CalvinoJoão Calvino (1509 – 1564) é considerado um dos maiores representantes da Reforma Protestante do século XVI, como ficou conhecido o movimento de reação aos abusos da Igreja Católica Romana à época. Calvino foi o responsável por sistematizar o protestantismo reformado através das Institutas da Religião Cristã, sua principal obra teológica, cujo objetivo era servir de instrução para a formação do cristão.

 

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