Equívocos perigosos [as armadilhas do diabo] – A.W. Tozer

“Fé”, disseram os primeiros Luteranos, “é uma coisa perturbadora.” Mas algo aconteceu com a doutrina da justificação pela fé tal como Lutero ensinou.

A fé de Paulo e Lutero era algo completamente radical. Ela jogava toda a vida do indivíduo para cima e o fazia em uma outra pessoa por inteiro. Ela mantinha o controle da vida e a colocava sob a obediência de Cristo. 

Ela tinha uma finalidade para a vida humana. Ela mantinha-se presa no coração do homem. Ela realinhava todas as ações da vida e as colocava de acordo com a vontade de Deus.Mas a fé agora representa nada além de uma concordância moral passiva com a Palavra de Deus e na cruz de Jesus. Para exercitá-la nós temos somente que descansar em um dos joelhos e abaixar nossas cabeças em concordância com as instruções de um trabalho pessoal destinado a salvar a nossa alma. Esse tipo de fé não perturba as pessoas. Ela as conforta. A face de seus egos é lavada e suas autoconfiança são resgatadas do desencorajamento.

As pessoas precisam ouvir que a religião Cristã não é algo que elas podem tratar como se fosse insignificante. O único homem que pode estar certo de que ele possui a verdadeira fé bíblica é aquele que colocou, a si mesmo, em uma posição de onde não pode voltar atrás.

No esquema divino da Salvação a doutrina da fé é central. Todo benefício fluindo da expiação de Cristo vem ao indivíduo através do portão da fé. Não podemos ousar em tomar nada por garantido a esse respeito.

Por vários anos meu coração foi incomodado pela doutrina da fé da forma como ela é recebida e ensinada em todo o meio Cristão evangélico. Meu medo é que a concepção moderna de fé não seja bíblica. Fé não é crer em uma declaração que nós sabemos ser verdade. Fé baseada na razão é um tipo de fé, é verdade; mas ela não tem o caráter da fé da Bíblia, porque ela segue a evidência infalivelmente e não tem nada de natureza moral ou espiritual em si. A verdadeira fé repousa sobre o caráter de Deus e não pede por outra prova além das perfeições morais daquele que não pode mentir. É suficiente porque Deus assim o disse.

Fé como a Bíblia a conhece é a confiança em Deus e em Seu Filho Jesus Cristo; é a resposta da alma ao caráter divino tal como revelado nas Escrituras; e, mesmo esta resposta é impossível sem que antes haja o chamado e o agir interior do Espírito Santo. Fé é um presente de Deus a uma alma penitente e não tem absolutamente nada haver com seus juízos e informações pessoais. Fé é um milagre; é a habilidade que Deus confia ao Seu Filho, e tudo o que não resulta na ação de acordo com a vontade de Deus não é fé, mas sim algo pequeno e insignificante se comparado a ela.

Fé e moral são dois lados da mesma moeda. É certo que a própria essência da fé é a moral. Qual quer fé professada em Cristo como Salvador pessoal que não traga aquela vida plenamente debaixo da obediência a Cristo como Senhor é inadequada e está traindo a sua vítima até a última gota. O homem que crê irá obedecer. Deus dá a fé somente ao coração obediente. Onde estiver o verdadeiro arrependimento, ali há obediência.

Para escapar do erro da salvação pelas obras nós temos caído no erro oposto, que é a salvação sem obediência.

Deus dará nove passos até nós, mas Ele não ira dar o décimo. Ele irá nos predispor ao arrependimento, mas Ele não pode se arrepender em nosso lugar.

Uma nova geração inteira de Cristãos tem se levantado acreditando que é possível “aceitar” Cristo sem esquecer o mundo.

Expirar é tão importante para a vida quanto inspirar. Para “aceitar” Cristo é necessário que constantemente estejamos rejeitando tudo aquilo que é contrário a Ele.

“Aceitar Cristo” é conhecer o significado das palavras “qual Ele é, somos nós também neste mundo.” (1 João 4:17) Nós recebemos os Seus amigos como nossos amigos, Seus inimigos como nossos inimigos, Seus caminhos como nossos caminhos, Sua rejeição como nossa rejeição, Sua cruz como nossa cruz, Sua vida como nossa vida e o Seu futuro como nosso futuro.

O diabo tem colocado armadilhas por todo o mundo. Uma das áreas que aparentemente são inofensivas mas onde armadilhas mortais aparecem em grande quantidade é o campo da oração. E eu logo penso em um grande engano nessa área. O de que Deus sempre responde às orações.

Geralmente é dito que Deus sempre responde às orações, seja dizendo “Sim,” ou seja dizendo “Não,” ou ainda substituindo algo por aquele favor desejado. Seria difícil inventar um artifício mais bonito do que esse para salvar a situação do suplicante cujos pedidos têm sido rejeitados por falta de obediência.

Quando nós nos dirigimos a Deus com um pedido, existem duas condições que nós precisamos atender: (1) nós devemos orar de acordo com a vontade de Deus, e (2) nós devemos estar vivendo vidas que agradem a Deus.

Quando nós nos tornamos muito eloquentes em nossas orações nós estamos, quase certamente, falando com nós mesmos.

Precisamos crer que a nossa fé Cristã é a contínua perpetuação de um milagre maior, o novo nascimento. Ela é um trabalho vital e único de Deus na natureza humana. Não se trata de racionalmente adotar uma posição, mas algo que acontece e que, simplesmente, não pode ser explicado; aquilo que acontece a um Cristão jamais pode ser explicado por um psicólogo. Naquele grande e terrível dia haverão aqueles brancos de medo quando descobrirem que se apoiaram numa afirmação mental do Cristianismo ao invés do milagre do novo nascimento.

“Cristianismo instantâneo” – o tipo encontrado praticamente em todo círculo gospel – veio com a modernidade e falha em compreender a verdadeira natureza da vida cristã, que não é estática, mas dinâmica e em expansão. Essa prática jamais ignora o fato de que um novo Cristão é um organismo vivo da mesma forma que um recém-nascido, e que deve ser alimentado e cuidado para garantir seu pleno desenvolvimento.

Um Cristão é um nascido, um portador de uma vida em desenvolvimento e, como tal, pode ser retardado, paralisado, subnutrido ou machucado como qualquer outro organismo. Condições favoráveis irão produzir alguém forte e saudável, diferente do que aconteceria em condições adversas. A ausência das devidas instruções, por exemplo, irá paralisar o crescimento Cristão.

Nós Cristãos devemos levar a sério o fato de que o nosso Cristianismo simplesmente não purifica nossos pecados sem removê-los. O grande perigo é que nós assumimos que fomos libertos de nossos pecados quando, na verdade, nós somente substituímos um tipo de pecado por outro.

Nós precisamos ser cuidadosos para que o nosso arrependimento não seja simplesmente uma mudança de lugar. Ao passo que nós certa vez pecamos em um país distante em meio aos que cuidavam dos porcos, estamos agora sendo camaradas de pessoas religiosas, consideravelmente mais limpas e de aparência muito mais agradável, certamente, mas nem sequer perto da verdadeira pureza de coração que devemos ter.

O orgulho pode ser refinado pela influência religiosa para uma calma autoestima, habilidosamente mantida pelo ardiloso uso de palavras bíblicas para disfarçar um profundo amor próprio que é, para Deus, algo odioso e intolerável. O verdadeiro problema é que não estamos sendo limpos, apenas afundando ainda mais.

A fofoqueira e a problemática, algumas vezes, com a conversão se transformam em uma “conselheira espiritual”, mas um olhar mais atento irá revelar o mesmo incansável e inquisitivo espírito em atividade. Ela ainda é a mesma pessoa, só que do outro lado da rua. Esta é a maneira que Satanás tem obtido maior sucesso em atacar a igreja, causando fraqueza, retrocesso e divisão.

biblia_com_anotacoes_a_w_tozerMuitas transações comerciais que, entre os homens do mundo teríamos como marca de uma prática empresarial afiada, quando exercidas por um cristão depois que ele orou acerca delas, são aclamadas como uma resposta notável à oração e uma prova de que Deus é um “parceiro” na questão.

Estas são apenas ilustrações, destinadas a mostrar como o pecado pode alterar sua aparência sem mudar sua natureza. A vontade de Deus é que o pecado seja removido, não meramente refinado.

A fé verdadeira invariavelmente produz santidade de coração e retidão de vida.

Sem fé é impossível agradar a Deus, mas nem toda “fé” agrada a Deus.

Eu não me lembro de outro período onde a fé fosse algo mais popular do que ela é hoje. A fé tem se tornado uma espécie de amuleto para quase todo mundo. O cientista, o motorista de táxi, o filósofo, a atriz, o político, o lutador, a dona de casa – todos estão prontos para recomendar a fé como a panaceia para todas as nossas doenças morais, espirituais e econômicas. Se nós simplesmente crermos verdadeiramente em algo aquilo acontecerá. E aí temos um jargão popular: aquilo em que você acredita não importa. Apenas acredite.

Por detrás disso está a nebulosa ideia de que a fé é uma força toda-poderosa fluindo pelo universo e que qualquer pessoa que desejar pode se conectar a ela. Quando ela chega vai embora o pessimismo, medo, derrota e falha; entram o otimismo, confiança, domínio próprio e o sucesso infalível na guerra, amor, esportes, negócios e política.

O que está sendo esquecido em tudo isto é que a fé é boa somente quando está aliada à verdade; quando ela está repousando sobre a falsidade ela pode, e geralmente leva, a uma tragédia eterna. Portanto, não é suficiente que nós acreditemos; nós precisamos acreditar na coisa certa acerca Daquele que está certo.

A verdadeira fé requer que nós acreditemos em tudo o que Deus disse acerca de Si mesmo, e também em tudo o que Ele disse sobre nós. Enquanto nós não crermos que nós somos tão maus quanto Deus diz que nós somos, nós nunca acreditaremos que Ele irá fazer por nós aquilo que Ele diz. Ele fará. E é exatamente neste ponto que a religião “popular” desmorona.

Acreditar no Jesus Cristo que salva é crer em tudo o que Ele disse sobre Si mesmo e tudo o que os profetas e apóstolos disseram sobre Ele. Tenhamos cuidado para que o Jesus que nós “aceitamos” não seja um que nós tenhamos criado da poeira da nossa imaginação e formado à nossa própria imagem.

A verdadeira fé é comprometida com a obediência. Aquela sonhadora e sentimental fé que ignora os julgamentos de Deus contra nós e escuta às afirmações da alma é tão mortal quanto o cianeto.

Fé na fé é uma fé perdida. Esperar pelo céu através desse tipo de fé é como dirigir no escuro por um profundo abismo sobre uma ponte que nem ao menos alcança o outro lado.

A. W. Tozer (1897-1963) pastoreou igrejas da Aliança Cristã e Missionária por mais de 30 anos. Apesar de não ter freqüentado seminário, seu amplo conhecimento bíblico, o forte impacto de sua pregação e a prolífica criação literária (escreveu mais de 40 livros) renderam-lhe a concessão de dois doutorados honorários. Tozer é reputado entre os maiores pregadores de todos os tempos.

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