O SENHOR É O MEU PASTOR… – Phillip Keller [ I ]

O Senhor é o meu pastor… O Senhor! Mas quem é o Senhor? Como é seu caráter? Será que possui credenciais para ser meu pastor – meu administrador – meu dono?
 E se possui, como faço para me colocar sob sua orientação? De que modo me torno objeto de seu interesse e cuidado intenso?
São indagações profundas, que merecem um estudo honesto e completo. Um dos erros mais calamitosos do cristianismo é nossa tendência de falar
em termos de generalidade ambígua.
Davi, o autor deste poema, e também pastor de ovelhas, filho de pastores, e que mais tarde seria conhecido Jesuscomo o “rei pastor” de Israel, afirmou tacitamente: “O Senhor é o meu pastor.” A quem se referia ele?

Referia-se a Jeová, o Senhor Deus de Israel. Sua declaração foi confirmada por Jesus Cristo. Quando era Deus encarnado entre os homens, ele afirmou taxativamente: “Eu sou o bom pastor”.

Mas, quem era este Cristo?

Nossa visão dele é, muitas vezes, demasiadamente tacanha, estreita, muito limitada, muito humana. E, por causa disso, sentimo-nos relutantes em permitir que ele exerça pleno controle e autoridade em nossa vida, e menos ainda que seja dono dela.

E ele foi diretamente responsável pela criação de todas as coisas, tanto naturais como sobrenaturais. (Ver CI 1.15-20.)
Se fizermos uma pausa para refletir sobre a pessoa de Cristo – sobre seu poder e realizações – de repente, como Davi, ficaremos alegres e orgulhosos de proclamar: “O Senhor – Ele é o meu Pastor!”

Mas, antes de o fazermos, será de muito valor mantermos claramente em mente o papel que têm em nossa história o Deus Pai, o Deus Filho e o Deus Espírito Santo.

Deus, o Pai, é o autor, e criador de tudo que existe. Foi em sua mente que, pela vez primeira, tudo teve forma.

Deus, o Filho, nossa Salvador, é o artesão, o artista, o criador de tudo que existe. Ele trouxe à existência tudo que havia sido formado pela mente de seu Pai.

Deus, o Espírito Santo, é o agente que apresenta estes fatos à compreensão de minha mente e de meu espírito, a fim de que se tornem realidade e se relacionem comigo como indivíduo.

As maravilhosas imagens do relacionamento entre Deus e o homem, que repetidamente as Escrituras nos fornecem, são as de pai e filho, pastor e ovelha. Tais conceitos foram criados primeiramente no pensamento de Deus, o Pai. Tornaram-se possíveis e mais pela obra de Cristo. São confirmados e se tornam fatos para nós através da operação do Espírito Santo.

Portanto, quando uma pessoa expressa este simples mas sublime pensamentos: “O Senhor é o meu pastor”, existe uma implicação profunda, mas prática de um inter-relacionamento entre um ser humano e seu criador. A expressão associa a um corpo feito de pó comum um sentido divino – demonstrando que um simples mortal se torna o objetofile_160_59 querido da diligência divina.

Somente este pensamento já basta para comover meu espírito, acelerar meu próprio senso de autoconsciência, emprestando enorme dignidade à minha pessoa como indivíduo. Pensar que Deus, em Cristo, está profundamente interessado em mim como pessoa, imediatamente dá um grande propósito e sentido à minha curta passagem por este planeta.

E quanto maior e mais amplo e mais majestoso for meu conceito de Cristo, mais vital será meu relacionamento com ele. Obviamente, Davi, neste salmo, está falando não como pastor – embora fosse pastor – mas como ovelha, como membro de um rebanho. Ele disse aquilo com forte sentimento de orgulho. Devoção e admiração. Era como se virtualmente estivesse se gabando em voz alta: “Vejam quem é meu pastor – meu dono – meu administrador!” O Senhor!

Afinal, ele sabia, por experiência própria, que a sorte de uma ovelha dependia grandemente do tipo de pessoa que fosse o seu dono. Alguns pastores eram bondosos, mansos, inteligentes, corajosos e altruístas em sua dedicação ao rebanho. Sob os cuidados de certos pastores, as ovelhas teriam que lutar,
passar fome e sofrer dificuldades sem fim. Aos cuidados de outro, elas se desenvolviam e cresciam satisfeitas. Portanto, se o Senhor e o meu pastor. Devo conhecer algo de seu caráter e compreender um pouco de sua capacidade. Para poder meditar profundamente nestas coisas, muitas vezes saio à noite, para caminhar sozinho à luz das estrelas, e pensar em sua majestade e poder.

Contemplando o céu escamado de estrelas, lembro-me de que existem pela menos 250 milhões vezes 250 milhões de corpos celestes, cada um maior que o nosso Sol – que aliás é uma das menores estrelas – e que foram espalhadas pelo universo pela mão dele. Lembro-me de que o planeta Terra, que é minha habitação temporária durante alguns anos, não passa de um diminuto grão de matéria no espaço, e que se fosse possível nos deslocarmos para a estrela mais próxima, a Alfa Centauro, com o nosso telescópio mais possante, e olhássemos em direção à Terra, ela não seria avistada, nem mesmo com o auxílio desse aparelho.
Tal conhecimento tem o efeito de humilhar-nos. Esvazia o “ego” do homem, e coloca as coisas em suas perspectivas corretas.

Faz com que eu veja a mim mesmo como uma simples migalha de matéria num universo colossal. Contudo, a verdade – uma verdade estarrecedora – é que Cristo, o criador desse enorme universo, de grandeza arrebatadora, digna-se chamar-se meu pastor, e convida-me a considerar-me sua ovelha, objeto especial de seu cuidado e afeição. Quem melhor para cuidar de mim?
Pelo mesmo processo, inclino-me e apanho um punhado de terra da estrada ou do quintal coloco-o sob o microscópio eletrônico e espanto-me ao descobrir que está fervilhando com bilhões e bilhões de micro-organismos. Muitos desses são tão complexos em sua estrutura celular, que nem mesmo se conhece uma fração de suas funções na terra.

E foi ele, o Cristo, o Filho de Deus, que trouxe tudo isso à vida. Desde a mais gigantesca galáxia, até o menor micróbio, tudo funciona impecavelmente segundo as leis definidas de ordem e unidade que fogem totalmente ao domínio do homem finito.

E é nesse sentido, primeiramente, que sou basicamente forçado a reconhecer que seus direitos de propriedade quanto à minha pessoa são ilegítimos.

Simplesmente porque foi ele quem me deu vida, e ninguém mais é capaz de compreender-me e cuidar de mim. Pertenço a ele apenas porque ele deliberadamente resolveu criar-me para ser objeto de sua afeição.

Está patentemente claro que a maioria das pessoas se recusam a reconhecer este fato. Suas deliberadas tentativas de negar a existência desse relacionamento entre o homem e seu criador demonstram sua repulsa em admitir até que alguém realmente posse reclamar direitos de posse ou autoridade sobre elas, em virtude de havê-las criado.

Isso constitui naturalmente o enorme “risco” ou “risco calculado” – se é que podemos aplicar tal termo aqui – que Deus tomou ao criar o homem.

Mas, com seu caráter magnânimo, ele deu um segundo passo e procurou restaurar esse relacionamento, que sempre é rompido por homens que lhe dão as costas.
Em Cristo ele demonstrou, no Calvário, o profundo desejo de seu coração de tomar os homens sob seus cuidados. Ele próprio recebeu a penalidade devida à perversidade dos homens, declarando abertamente que “todos nós andávamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo caminho, mas o Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de nós todos.” (Is 53.6.)

Assim, num segundo sentido, muito real e vital, eu verdadeiramente pertenço a ele, porque me comprou de novo, e a um preço incrível – o de sua vida imolada e seu sangue derramado.

Portanto, ele estava capacitado a dizer: “Eu seu o bom pastor. O bom pastor dá a vida pelas ovelhas.”

Comprovamos então a comovente realidade de que fomos comprados por um preço, e que não somos de nós mesmos, e ele se encontra plenamente no direito de reclamar a posse de nossa vida.

Lembro-me claramente de como, em meus primeiros empreendimentos com carneiros, era terrivelmente importante a questão de pagar pelas ovelhas fêmeas. Elas me pertenciam apenas porque eu pagará um bom preço por elas. Fora dinheiro ganho com sangue, suor e lágrimas de meu próprio corpo, vertidos durante os terríveis anos da depressão econômica. E quando afinal comprei aquele pequeno rebanho, eu as paguei praticamente com meu corpo, que fora oferecido, tendo em vista aquele dia.

Por causa disso, eu sentia de forma pessoal que elas eram parte de mim, assim como eu era parte delas. Havia uma espécie de identidade íntima envolvida em tudo aquilo, embora nada fosse visível a um observador mais desatento, mas que, não obstante, tornava aquelas trinta ovelhas extremamente importantes para mim.
Mas no dia em que as comprei, compreendi também que aquele era apenas o primeiro estágio de um longo e duradouro trabalho no qual, daí em diante, eu iria, como proprietário delas, empenhar-me continuamente, se desejasse que crescessem e se desenvolvessem. As ovelhas não cuidam de si mesmas, como supõem alguns. Mais que qualquer outro tipo de criação, elas exigem atenções infindas e cuidados meticulosos.

Não foi por acaso que Deus resolveu Chamar-nos de suas ovelhas. O comportamento do ser humano é semelhante ao das ovelhas sob muitos aspectos, como veremos em outras mensagens. Nossa mentalidade de massa [ou instinto de grupo], nossos temores e timidez, nossa teimosia e insensatez, nossos hábitos perversos são todos paralelos de profunda importância. Entretanto, a despeito destas características adversas, Cristo nos escolheu, nos comprou, nos chama pelo nome, nos torna sua propriedade e se agrada de cuidar de nós. Este último aspecto constitui, na verdade, a terceira razão pela qual mas achamos na obrigação de reconhecer seus direitos de propriedade sobre nós. Ele praticamente entrega a si próprio por nós continuamente. Está sempre intercedendo por nós e nos guiando pelo seu maravilhoso Espírito; está sempre operando em nosso favor, para garantir-nos os benefícios de seus cuidados.

E, na verdade, o Salmo 23 poderia muito bem ser chamado “Hino de louvor, de Davi, pelo cuidado divino”. Pois o poema todo narra a maneira como o Bom Pastor não se poupa pela bem-estar de suas ovelhas. Não admira que o poeta se orgulhasse de pertencer ao Bom Pastor. Por que não?


Em minha memória revejo uma das fazendas de criação de ovelhas que era administrada por um arrendatário. Aquele homem nunca deveria ter recebido permissão para cuidar de ovelhas. Seu rebanho estava sempre magro, fraco, afligido por doenças e parasitas. Várias e várias vezes, elas chegavam até à nossa cerca e contemplavam os pastos viçosos e verdejantes de nossos rebanhos. Se pudessem falar, estou certo de que diriam: “Ah, se pudéssemos nos libertar deste nosso amo!”

Esse quadro nunca me saiu da memória. Ele ilustra os povos sofredores deste mundo, que não sabem o que é pertencer ao Bom Pastor… e sofrem, sob o domínio do pecado e de Satanás.

Como é estranho que os homens recusem e rejeitem veementemente os direitos de Cristo em sua vida. Temem que, se admitirem que Jesus tem este direito de propriedade, venham a cair nas mãos de um tirano. E tal atitude é difícil de compreender, quando paramos para analisar o caráter de Cristo. Temos que reconhecer que têm havido muitas caricaturas falsas de sua Pessoa, mas um exame imparcial de sua vida logo mas revelará um indivíduo de grande compaixão e incrível integridade.

Ele foi o mais equilibrado e talvez o mais amado ser humana que penetrou na sociedade dos homens. Embora nascido em meio ao mais triste ambiente, e sendo filho de uma família modesta, sempre se portou com grande dignidade e segurança. Embora não tivesse desfrutado de vantagens especiais na infância, fosse na educação, fosse no trabalho, toda a sua filosofia de vida e seu modo de encará-la consistiam, mas mais elevados padrões de conduta humana já apresentados à humanidade. Embora não possuísse vantagens econômicas, nem poder político ou militar, nenhuma outra pessoa causou maior impacto na História do mundo. Por sua causa, milhões de pessoas, no decurso de vinte séculos, entraram numa existência decente e honrosa de conduta nobre.

E ele não somente era terno, amoroso e verdadeiro, mas também justo, inflexível como o aço e terrivelmente severo para com os hipócritas.

Era magnífico em seu magnânimo espírito de perdão aos caídos. Mas um terror para aqueles que se davam a palavras ambíguas ou falsidades.

Ele veio para libertar os homens de seus pecados, de si próprios e de seus temores. E as pessoas assim libertas o amaram com forte senso de lealdade.

É ele quem insiste em afirmar que é o Bom Pastor, o Pastor compreensivo, o Pastor interessado, que ama tanto, que vai ao ponto de buscar, salvar e restaurar os perdidos.

Nunca hesitou em deixar claro que sempre que alguém se colocasse sob sua orientação e controle, haveria um novo e singular relacionamento entre ele e essa pessoa. Existe algo de muito especial em pertencer a este Pastor. Adquirimos uma marca que mais distingue do restante da multidão.


No dia em que comprei minhas primeiras trinta ovelhas, eu e meu vizinho mas assentamos na cerca empoeirada do curral, para admirar aqueles animais fortes, belos e bem conformados, que agora me pertenciam. Voltando-se para mim, ele me entregou uma faca grande e afiada, um cutelo de abate, e observou seriamente: “Bem, Philip, elas já são suas. Agora terá que colocar sua marca nelas.”


Eu sabia exatamente o que ele quisera dizer com aquelas palavras. Cada criador tem sua própria marca de orelha e, ele próprio grava numa das orelhas do animal. Deste modo, mesmo a certa distância, é fácil determinar a quem uma ovelha pertence.

Não foi muito agradável ter que pegar cada ovelha, firmar-lhe a cabeça contra um cepo de madeira, e riscá-la com o corte afiado da faca. Ambos sofremos com a dor. Mas desse sofrimento resultou uma marca de propriedade, indelével e eterna, que nunca poderia ser desfeita. E daí por diante, todas os carneiros que passavam a pertencer-me traziam essa marca.

Existe um maravilhoso paralelo disse no Velho Testamento. Quando um escravo de uma casa hebreia resolvia, de livre e espontânea vontade, tornar-se membro daquela casa para sempre, era submetido a certo ritual. Seu dono e proprietário levava-o à porta, encostava o lobo da orelha no portal. E, com uma sovela, furava-lhe a orelha. Daí por diante, ele era um homem marcado para o resto da vida, como pertencendo àquela casa.

0 homens que reconhece os direitos de Cristo e aceita seu domínio absoluto, terá que trazer sua marca. As marcas da cruz são o sinal que deve identificar-nos com ele em todos os tempos. A pergunta, então, é – será que temos este sinal?
Jesus deixou isso bem claro quando afirmou categoricamente “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me.”

Basicamente, isto significa que uma pessoa troca a insegura sorte de levar a vida ao sabor dos próprios caprichos, pela ventura mais rica e mais satisfatória de ser guiada por Deus.

A verdade – e das mais trágicas – é que muitas pessoas que nunca se colocam sob a orientação ou domínio de Cristo afirmam “O Senhor é o meu pastor“. Parecem ter esperanças de que, simplesmente pelo fato de admitirem que ele é seu pastor, de alguma forma, gozarão dos benefícios de seus cuidados e orientação, sem terem que pagar o preço de abandonar seu insensato e ilusório modo de viver.

É impossível ser as duas coisas. Ou pertencemos a Jesus, ou não. O próprio Senhor nos advertiu de que haveria um dia em que muitos diriam: “Senhor, em teu nome realizamos coisas maravilhosas”, mas ele replicará que nunca os conheceu como seus.

Esta é uma verdade das mais sérias e graves, e que deve levar-nos a sondar nosso coração e a examinarmos nossas intenções e relacionamento pessoal com ele.

Será que realmente pertenço ao Senhor?

Reconheço realmente seus direitos sobre mim? Aceito sua autoridade e reconheço seu direito de propriedade?
Tenho plena liberdade e total senso de realização vivendo assim?
Sinto em mim um objetivo certo e um profundo contentamento pelo fato de estar sob sua orientação?

Experimento descanso e repouso, bem como felicidade em pertencer a ele?

Se assim é, então, com genuína gratidão e comoção posso proclamar orgulhosamente como Davi: “O Senhor é o meu pastor!” E estou encantado de pertencer a ele, pois é assim que crescerei e me desenvolverei, não importa o que a vida me reserve.

Phillip Keller

Fonte: Livro – Nada me Faltará  Capitulo 1 {O Salmo 23 à luz das experiências de um pastor de Ovelhas} – Phillip Keller [Editora Betânia 1979]

 

O SENHOR É O MEU PASTOR… – Phillip Keller [ I ]

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