A Suficiência da Morte de Cristo Para Nossa Salvação – João Calvino [ 2 ]

É verdade que hoje estamos iluminados pela morte e paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. Pois como é que o Evangelho nos mostra o caminho para a salvação?

Como somos iluminados para chegar a Deus, a não ser uma vez que o Filho de Deus nos é apresentado com o fruto e do poder da Sua morte? Jesus Cristo é realmente o Sol da Justiça, porque Ele adquiriu para nós a vida, por Sua morte.

Mas os Judeus foram privados de tal benefício. E, em que o sol foi obscurecido, eles foram convencidos que de todas as pessoas, eles eram reprovados, e a doutrina não mais lhes seria proveitosa, nem lhes seria útil para a salvação, uma vez que por sua malícia haviam tentado extinguir e abolir tudo o que podia dar-lhes esperança, pois esta esperança estava inteiramente na Pessoa do Mediador, a quem tentaram destruir por sua malícia e ingratidão. Era certo, então, que eles estavam completamente destituídos de toda a luz da salvação, a fim de que a ira de Deus se declarasse de forma visível sobre eles.

Segue-se que o nosso Senhor Jesus clamou, dizendo: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” São Mateus e São Marcos recitam em língua Siríaca estas palavras de nosso Senhor Jesus, que são extraídas de Salmo 22. E as palavras não são assim pronunciadas por todos os escritores dos Evangelhos como o texto do Salmo apresenta. Mesmo nesta palavra “Eli”, que é “Meu Deus”, vemos que São Marcos diz: “Eloí”. (Marcos 15:34) Mas isso é uma distorção da linguagem, como vimos antes; pois os Judeus que retornaram da Babilônia nunca tiveram uma língua totalmente pura, como antes. Ademais esta exclamação é tirada do Salmo 22:1.

Deus quis especialmente que isto fosse recitado em duas línguas, para mostrar que era algo importante, e para o qual devemos atentar. Na verdade, a menos que queiramos imaginar (como fazem muitas pessoas irracionais) que o nosso Senhor Jesus falou de acordo com a opinião de homens e não de acordo com Seu sentido e Seu sentimento, nós certamente devemos ser movidos por isto, e os nossos sentidos devem extasiados, quando Jesus Cristo queixa-se de ser desamparado e abandonado por Deus Seu Pai.

Pois é uma coisa muito sem graça e muito tola, dizer que o nosso Senhor Jesus não foi de todo tocado com a angústia e ansiedade em Seu coração, mas que Ele houvesse simplesmente dito: “Eles dizem que estou abandonado”. Isso mostra que aqueles que olham para tais glosas, não são apenas ignorantes, mas são totalmente zombadores.

Além disso, eles nunca deixam de blasfemar, como cães mastim, contra Deus. E todos aqueles que falam assim, é certo que eles não têm mais religião do que os cães e os animais irracionais, pois eles não sabem o quanto a sua salvação custou ao Filho de Deus. E o que é pior, eles zombam dEle apenas como os vilões que são.

Então, temos de manter como um fato conclusivo que o nosso Senhor Jesus, que está sendo trazido para tal extremo e angústia, clamou com grande voz: (sim, como aqueles que são atormentados ao extremo), “Deus meu, Deus meu, por que me desamparas-te?” Na verdade, nós já dissemos que seria uma declaração fria a partir da história de Sua morte, se não considerarmos a obediência que Ele prestou a Deus, o Pai. Esta, então, é a principal coisa que temos que considerar se quisermos ter certeza de nossa salvação.

É que, se cometemos muitas faltas e rebeliões e iniquidades contra Deus, tudo isso será enterrado, na medida em que o nosso Senhor Jesus por Sua obediência nos justificou e nos tornou aceitáveis a Deus, Seu Pai. Agora esta obediência, no que consiste, a menos que Jesus Cristo, embora a morte fora difícil e terrível a Ele, ainda assim, não recusou estar sujeito a ela? Pois se Ele não tivesse experimentado nisto nenhuma dificuldade ou contradição, isto não teria sido obediência.

Mas, apesar de que nosso Senhor Jesus, por natureza, morreu em horror, de fato foi um cargo terrível para Ele o ser encontrado diante do tribunal de Deus, em nome […] dos miseráveis pecadores (pois Ele estava ali, como se tivesse que sustentar todos os nossos fardos), no entanto, Ele não deixou de humilhar-Se a tal condenação por nossa causa, nós sabemos que houve nEle uma obediência perfeita, e nisto nós temos boas razões para glorificá-lO, como diz o Apóstolo na Epístola aos Hebreus, “Nosso Senhor Jesus foi ouvido quanto ao que temia” (Hebreus 5:7).

Embora isto tenha sido assim, ainda que Ele teve que suportar algo tão duro e penoso, de fato, totalmente contrário a todo o afeto humano, isto era necessário, pois: “Ainda que era Filho, aprendeu a obediência, por aquilo que padeceu” (Hebreus 5:8).

Vemos, então, o Apóstolo, que especifica particularmente que o nosso Senhor Jesus teve que ser assombrado pelo medo; pois, sem isto nós não saberíamos quão precioso foi esse sacrifício pelo qual fomos reconciliados. Na verdade, São Pedro também mostra que o nosso Senhor Jesus sofreu não só em Seu corpo, mas na alma, quando Ele diz que Ele lutou contra as dores da morte.

É verdade que a Escritura muitas vezes diz que nós somos redimidos pelo sangue de Jesus Cristo, na medida em que Ele ofereceu Seu corpo como um sacrifício. É também por isso que se diz que a sua carne é para nós comida e Seu sangue é para nós bebida espiritual.

Mas isso é dito concernente à nossa insensatez. Porque somos rudes, o Espírito Santo nos traz de volta ao que é visível na morte de Jesus Cristo, a fim de que possamos ter uma certeza absoluta do penhor de nossa salvação. No entanto, não devemos rejeitar o que é mostrado em todas as outras passagens, para não invalidarmos o fato de que a morte e a paixão de Nosso Senhor Jesus não serviriam para tirar as iniquidades do mundo, exceto na medida em que Ele obedeceu verdadeiramente humilhando-Se até uma morte assustadora.

E Ele obedeceu, e não em tudo o que Seus sentidos foram levados, mas, apesar de que Ele tivesse que sofrer terrores e extremos terrores, ainda assim Ele colocou a nossa salvação acima de qualquer outra consideração. Isso, então, é o que temos que observar nesta passagem, isto é, que o Filho de Deus não somente suportou em Seu corpo uma morte tão cruel, mas que Ele foi comovido imediatamente, tendo que suportar terríveis assombros como se Deus O tivesse abandonado. Pois, na verdade, Ele também sofreu por nossa causa, e teve que experimentar a condenação que era devida aos pobres pecadores.

Por nossos pecados nós estamos, por assim dizer, alienados de Deus, e Ele deve apartar- Se de nós, e nós temos que saber que Ele tem, por assim dizer, nos rejeitado. Essa é a coisa certa para os pecadores. É certo que Jesus Cristo nunca foi rejeitado por Deus, Seu Pai. No entanto, Ele teve de sofrer essas angústias e Ele teve que lutar bravamente para repeli-las, a fim de que hoje o fruto da vitória pudesse ser nosso. Portanto, devemos lembrar que, quando o Senhor Jesus foi colocado em tal situação, como se Deus Seu Pai tivesse tirado dEle toda a esperança de vida, na medida em que Ele estava ali em nossa pessoa, suportando a maldição de nossos pecados que nos separavam de Deus.

Pois onde repousa a nossa felicidade, a não ser no fato de que somos vivificados pela graça de Deus e iluminados pela Sua luz? Ele é a fonte da vida e de todo o bem, e os nossos pecados colocam, por assim dizer, uma longa distância entre Ele e nós. Jesus Cristo, então, teve que experimentar isso. Vejamos agora o que alguém poderia dizer. “É possível que Jesus Cristo tenha experimentado esses terrores, uma vez que nEle há somente perfeição completa? Pois parece que isso afasta a fé de que Ele deveria ter e de tudo o que nós devemos crer sobre Ele.

Isto é, Ele era, totalmente imaculado. Ora, a resposta para isso é muito fácil, pois quando Ele foi tentado por Satanás, é certo que Ele tinha que ter essa apreensão de que Ele estava, por assim dizer, em cima de uma torre e que Ele estava sujeito a tal ilusão de acordo com a Sua natureza humana. No entanto, isso não tirou nada de Seu poder Divino. Em vez disso, temos a oportunidade de magnificar Sua bondade para conosco, na medida em que Ele assim humilhou-se a Si mesmo por nossa salvação.

Agora, é dito que clamou: “Deus meu, por que me desamparaste?” Em primeiro lugar, é muito certo que Jesus Cristo, na medida em que Ele era Deus, não poderia ter tal apreensão. Não, não. Mas quando Ele sofria, Sua Divindade teve que dar lugar à Sua morte e paixão, as quais Ele teve que suportar. Isso, então, é o poder de nosso Senhor Jesus que foi mantido, por assim dizer, oculto por um tempo, até que Ele tivesse obtido tudo o que era necessário para a nossa redenção. Ainda de acordo com o homem, notemos que esta queixa, e esse sentimento de terror dos quais falamos agora, de maneira nenhuma prejudicaram a fé de nosso Senhor Jesus Cristo. Pois uma vez que Ele era homem Ele tinha toda a Sua confiança em Deus, como já vimos, e ontem isso foi suficientemente tratado.

Isto foi então um o verdadeiro padrão de verdade, perfeição e inteira confiança. Diz-se agora que Ele estava em tal angústia que Ele parecia estar abandonado por Deus, Seu Pai. No entanto sua fé sempre foi perfeita, não foi nem abatida nem abalada de qualquer forma que seja. Como, então, Ele diz: “Por que me desamparaste?”. Isso foi por apreensão natural. Eis, então, o nosso Senhor Jesus Cristo, que de acordo com a fraqueza da Sua carne, foi, por assim dizer, abandonado por Deus, e ainda assim não deixou de confiar nEle.

Como, de fato, vemos duas partes nestas palavras que são superficialmente contrárias, ainda que, de fato, concordem muito bem. Quando Ele diz: “Deus meu, Deus meu”, e Ele repete a palavra de tal forma a demonstrar a constância de Sua fé. Ele não diz: “Onde está Deus? Como é que Ele pode ter me deixado?”, Mas se dirige a Ele. Ele devia estar inteiramente persuadido e certo de que Ele sempre encontraria acesso favorável, a Deus Seu Pai.

Eis aqui (digo eu) um certo e infalível testemunho da fé de nosso Senhor Jesus Cristo. Quando no meio da calamidade e angústia em que Ele se encontrava, Ele não deixou de chamar a Deus seu Pai, e não de forma presunçosa, mas porque Ele estava certo de que iria encontrá-lO propício ao invoca-lO. Eis no que (digo eu) a fé de nosso Senhor Jesus Cristo é suficientemente declarada. No entanto, Ele repete a palavra, porque esta luta é difícil, como se Ele desafiasse todas as tentações que Satanás preparou para Ele, e Ele procurou a confirmação da fé para que Ele pudesse sempre persistir clamando a Deus.

Agora Ele disse ainda: “Por que me desamparaste?”, Claro que isto estava de acordo com o que Ele poderia conceber como homem. Porque Ele deveria passar por esta experiência, sem, contudo, ser vencido por ela. Pois São Pedro diz: “Soltas as ânsias da morte, pois não era possível que fosse retido por ela” (Atos 2:24).

Ou seja, que Ele fosse apreendido como um homem pobre que foi totalmente entregue e esmagado, “Era impossível”, diz São Pedro. E assim, a vitória estava no meio da luta. E isso é para glorificar ainda mais o nosso Senhor Jesus Cristo. Davi tinha experimentado isso em parte. Pois é certo que, no meio de suas aflições, por maiores que fossem, ele insistiu em clamar a Deus, de fato esperando nEle. Mas desde que ele era um homem frágil, a sua fé foi abalada, muitas vezes, como ele confessa.

João Calvino

Continua…

 João CalvinoJoão Calvino (1509 – 1564) é considerado um dos maiores representantes da Reforma Protestante do século XVI, como ficou conhecido o movimento de reação aos abusos da Igreja Católica Romana à época. Calvino foi o responsável por sistematizar o protestantismo reformado através das Institutas da Religião Cristã, sua principal obra teológica, cujo objetivo era servir de instrução para a formação do cristão.

 

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