A VEREDA DO PROGRESSO: CONSIDERAR-SE  – Watchman Nee [ IV ]

“A Vida Cristã Normal, Um apelo eloqüente de um apóstolo chinês da nossa época, que provou seu amor por Cristo suportando, por vinte anos, os sofrimentos de uma prisão comunista.”

Entramos agora num assunto sobre o qual tem havido alguma confusão entre os filhos do Senhor. Diz respeito àquilo que se segue a este conhecimento. Note-se a redação exata de Rm 6.6: “Sabendo isto, que foi crucificado com ele o nosso velho
homem”. O tempo do verbo é muito preciso: situa o acontecimento no passado distante. É um acontecimento final, realizado de uma vez para sempre, e que não pode ser desfeito. O nosso velho homem foi crucificado, uma vez para sempre, e jamais pode voltar à situação de não crucificação. É isto que devemos saber.

O que se segue depois de sabermos isto? O mandamento seguinte se acha no v. 11: “Assim também vós considerai-vos mortos para o pecado”, que é a seqüência natural do v. 6. Leiamo-os juntamente: “Sabendo… que foi crucificado com ele o nosso velho homem… considerai-vos mortos”. Esta é a ordem. Quando sabemos que o nosso velho homem foi crucificado com Cristo, o passo seguinte é considerarmos esta verdade.

Infelizmente a ênfase da verdade da nossa união com Cristo tem sido freqüentemente colocada na segunda questão, a de nos considerarmos mortos, como se fosse este o ponto de partida, enquanto que deveria ser ressaltada a necessidade de sabermos que estamos mortos. A Palavra de Deus mostraWatchman_Nee_2 claramente que “sabendo” deve preceder o “considerar-se”. “Sabendo isto… considerai-vos”. A seqüência é extremamente importante. O ato de nos considerarmos deve basear-se no conhecimento do fato divinamente revelado, pois, de outro modo, a fé não tem fundamento sobre que descansar e apoiar-se.

Deste modo, não devemos ressaltar demasiadamente o considerar-se, ao ensinar esta matéria. As pessoas sempre procuram considerar-se, sem previamente saber. Não tiveram primeiramente uma revelação do fato, dada pelo Espírito, mas ainda procuram considerar-se e logo se vêem a braços com toda espécie de dificuldades. Quando a tentação se manifesta, começam furiosamente a se considerar:

“Estou morto; estou morto; estou morto!” Mas, no próprio ato de considerar-se, perdem a serenidade. Depois, dizem, “Isto não dá certo, e não há valor em Romanos 6.11”. Realmente, devemos reconhecer que o v. 11 não tem qualquer efeito sem o v.6. Acontece que, sem conhecermos que estamos mortos com Cristo, nossa luta de nos considerarmos se tornará sempre mais intensa, e o resultado será a derrota na certa.

Não quero dizer que não precisamos realizar esta verdade na nossa experiência. Há a efetuação dessa morte em termos de experiência, de que trataremos agora, mas a base de tudo é que já fui crucificado, já está feito.

Qual é o segredo de considerar, então? É revelação: precisamos de revelação da parte do próprio livro-a-vida-crist-normal-watchman-nee-415901-MLB20422116655_092015-FDeus (Mt 16.17; Ef 1.17,18). Devemos ter os olhos abertos para o fato da nossa união com Cristo, e isso é algo mais do que conhecê-la como doutrina. Tal revelação não é coisa vaga e indefinida. Muitos de nós podemos recordar o dia em que vimos claramente que Cristo morreu por nós, e devemos ter igual certeza da hora em que percebemos que nós morremos com Cristo. Não deve ser nada de confuso, mas algo muito definido, porque é a base em que prosseguimos. Estou morto não porque me considero assim, mas por causa daquilo que Deus fez para comigo em Cristo — por isso considero-me morto. É este o verdadeiro sentido de considerar-se. Não se trata de considerar-se para se ficar morto, mas de considerar-se morto porque essa é a pura realidade.

O segundo passo: “Assim, também vós considerai-vos”

O que significa considerar-se? “Considerar”, no Grego, significa fazer contas, fazer escrituração comercial.

A contabilidade é a única coisa no mundo que nós, seres humanos, sabemos fazer corretamente. O artista pinta uma paisagem. Pode fazê-lo com perfeita exatidão? O historiador pode assegurar exatidão absoluta de qualquer relato, ou o cartógrafo a perfeita exatidão de qualquer mapa? O melhor que podem fazer são aproximações notáveis. Mesmo na conversação de cada dia, procurando contar algum incidente com a melhor intenção de ser honestos e fiéis à verdade, não conseguimos exatidão completa.

Há, na maioria das vezes, uma tendência ao exagero, aumentando ou diminuindo, empregando uma palavra a mais ou a menos. O que pode então um homem fazer que seja absolutamente digno de confiança? Aritmética! Não há, neste campo, qualquer possibilidade de errar. Uma cadeira, mais uma, é igual a duas cadeiras. Isto é verdade em Londres e na Cidade do Cabo, em Nova Iorque no Ocidente ou em Singapura no Oriente. Por todo o mundo, e em todos os tempos, um mais um é igual a dois.

Tendo dito, pois, que a revelação leva naturalmente ao ato de considerar-se, não devemos perder de vista que um mandamento nos foi dado: “Considerai-vos…” Há uma atitude definida a tomar. Deus pede que façamos a escrituração, lançando na conta: “Eu morri”, e que permaneçamos nesta realidade.516phpgX1TL._UY250_

Quando o Senhor Jesus estava na Cruz, eu estava lá nEle; portanto, eu o considero como um fato verdadeiro. Considero e declaro que morri nEle. Paulo disse: “Considerai-vos mortos para o pecado, mas vivos para Deus”. Como é isto possível? “Em Cristo Jesus”. Nunca se esqueça que é sempre, e somente, verdade em Cristo. Se você olha para si próprio, não achará aí esta morte — é questão de fé nEle, de olhar para o Senhor e ver o que Ele fez. Reconheça e considere o fato em Cristo, e permaneça nesta atitude de fé.

Considerar-se e a fé

Os primeiros quatro capítulos e meio de Romanos falam de fé, fé e fé. Somos justificados pela fé nEle (Rm 3.28; 5.1). A justificação, o perdão dos nossos pecados e a paz com Deus são nossos pela fé; sem fé, ninguém pode possuí-los. Na segunda seção de Romanos, no entanto, não encontramos a fé mencionada tantas vezes, e à primeira vista poderia parecer que aqui há diferença de ênfase. Não é realmente assim, porque a expressão “Considerar-se” toma o lugar das palavras “fé” e “crer”. Considerar-se e a fé são, aqui, praticamente a mesma coisa.

O que é a fé? É a minha aceitação de fatos divinos, e seu fundamento sempre se acha no passado. O que se relaciona com o futuro é mais esperança do que fé, embora a fé tenha, muitas vezes, o seu objetivo ou alvo no futuro, como em Hebreus 11. Talvez seja por essa razão que a palavra aqui escolhida é considerar-se. É uma palavra que se relaciona unicamente com o passado — com aquilo que vemos já realizado ao olhar para trás e não com qualquer coisa ainda por acontecer.

É este o gênero de fé descrito em Mc 11.24: “Tudo quanto em oração pedirdes, crede que recebestes, e será assim convosco”. A declaração é que se crer que já recebeu o que pediu (isto é, evidentemente, em Cristo), então “será assim”. Crer que seja provável alcançar alguma coisa, e que seja possível obtê-la, mesmo que ainda virá a obtê-la, não é fé no sentido aqui expresso. Fé é crer que já alcançou o que pede. Somente o que se relaciona com o passado é fé neste sentido. Aqueles que dizem que “Deus pode” ou “Pode ser que Deus o faça”, não crêem de forma alguma. A fé sempre diz: “Deus já o fez”.

Quando é, portanto, que tenho fé no que diz respeito à minha crucificação? Não quando digo que Deus pode ou quer ou deve crucificar-me, mas quando, com alegria, digo: “Graças a Deus, em Cristo eu estou “crucificado!” Em Romanos 3 vemos o Senhor Jesus levando os nossos pecados e morrendo como nosso Substituto, para que pudéssemos ser perdoados.

Em Romanos 6, vemo-nos incluídos na morte de Cristo, por meio da qual Ele conseguiu a nossa libertação. Quando nos foi revelado o primeiro fato, cremos nEle para a justificação. Deus nos manda considerar o segundo fato para a nossa libertação. De modo que, para fins práticos, “Considerar-se” na segunda seção de Romanos toma o lugar de “fé” na primeira seção. Não há diferença de ênfase; a vida cristã normal é vivida progressivamente, do mesmo modo que inicialmente se entra nela, pela fé no fato divino: em c e Cristo e na Sua Cruz.

Tentação e fracasso, desafios à fé

Para nós, os grandes fatos da história são que o Sangue trata de todos os nossos pecados e que a Cruz trata de nós próprios. Mas que diremos com respeito à tentação? Qual deverá ser a nossa atitude quando, depois de termos visto e crido nestes fatos, descobrimos que os velhos desejos querem surgir de novo? Pior ainda, se caímos em pecado conhecido, mais uma vez? Então cai por51PSiIuyKYL._AC_UL320_SR210,320_ terra o que foi dito acima?

Lembremo-nos de que um dos principais objetivos do Diabo é nos levar a duvidar das realidades divinas. (Compare Gênesis 3.4).

Após termos percebido, pela revelação do Espírito de Deus, que realmente estamos mortos com Cristo, e que devemos nos considerar assim, o Diabo virá, dizendo: “Alguma coisa está se mexendo no seu íntimo; o que você diz a isto? Pode dizer que isto é morte? ” Qual será a nossa resposta em tal caso? Aqui está a prova crucial. Vamos crer em fatos tangíveis do plano natural, que estão perante os nossos olhos, ou nos fatos intangíveis do plano espiritual, que não se vêem nem se provam cientificamente?

Devemos ser muito cuidadosos a este respeito. É importante recordarmos os fatos divinos declarados na Palavra de Deus sobre os quais deve apoiar-se a nossa fé. Em que termos Deus declara que foi efetuada a nossa libertação? Não se diz que o pecado, como um princípio em nós, foi desarraigado ou removido. Não, porque está bem presente, e se lhe for dada oportunidade, nos vencerá e nos levará a cometer mais pecados, quer consciente quer inconscientemente. É por essa razão que sempre devemos tomar conhecimento da operação do precioso Sangue.

O método de Deus ao tratar dos pecados cometidos é direto, apagando-os da lembrança por meio do Sangue, mas, no que diz respeito ao princípio do pecado e a libertação do seu poder, Deus opera através do método indireto: não remove o pecado, e, sim, o pecador O nosso velho homem foi crucificado com Cristo, e, por causa disto, o corpo, que antes fora veículo do pecado, fica de- sempregado (Rm 6.6). O pecado, o velho senhor, ainda está presente, mas o escravo que o servia foi morto, estando assim fora do seu alcance. Seus membros agora estão desempregados. A mão que jogava de apostas fica desempregada, assim como a língua de quem xingava, e tais membros passam agora a ser úteis, em vez disso, “a Deus como instrumentos de justiça” (Rm 6.13).

A libertação do pecado é tão real, que João pôde escrever, confiante: “Todo aquele que é nascido de Deus não vive na prática do pecado… não pode viver pecando” (I João 3.9), expressão essa que, erradamente compreendida, poderia nos confundir. João não quis dizer que o pecado nunca mais entra em nossa história e que não cometeremos mais pecados. Diz que o pecar não está na natureza daquele que é nascido de Deus. A vida de Cristo foi plantada em nós pelo novo nascimento, e a Sua natureza não é caracterizada por cometer pecados. Há, porém, uma grande diferença entre a natureza de uma coisa e a sua história, e há uma grande diferença entre a natureza da vida que há em nós e a nossa história.

A questão consiste em escolher quais os fatos a que damos valor e que orientam a nossa vida: os fatos tangíveis da nossa experiência diária ou o fato muito mais importante, de que agora estamos “em Cristo”. O poder . da Sua ressurreição está ao nosso lado, e todo o poder de Deus está operando na nossa salvação (Rm 1.16), mas o assunto ainda depende de tornarmos real, na história, o que já é uma realidade divina.

“Ora a fé é a certeza das coisas que se esperam e a convicção de fatos que se não vêem” (Hb 11.1), e: “as coisas que se não vêem são eternas” (II Co 4.18). Creio que todos sabemos que Hb 11.1 é a única definição de fé na Bíblia. É importante que compreendamos esta definição. O Novo Testamento de J. N. Darby traduz bem este trecho: “A fé é a substancializaçao das coisas que se esperam”.

A palavra “substancialização” é boa; significa tornar reais, na experiência, as coisas que se esperam.

Como é que “substancializamos” uma coisa? Fazemos isso todos os dias. Você conhece a diferença entre substância e “substancializar”? Uma substância é um objeto, uma coisa na minha frente. “Substancializar” significa que tenho certo poder ou faculdade que torna aquela substância real para mim. Por meio dos nossos sentidos, podemos tomar certas coisas do mundo, da natureza, e transferi-las para o nosso conhecimento e percepção interna, de modo que possamos apreciá-las. A vista e o ouvido, por exemplo, são duas das faculdades que me permitem “substancializar” da luz e do som. Temos cores: vermelho, amarelo, verde, azul e violeta, e estas cores são coisas reais. Mas se eu fechar os olhos, a cor não continua sendo real para mim; é sim- plesmente nada — para mim. Com a faculdade da vista, contudo, possuo o poder de “substancializar”, e assim, o amarelo torna-se amarelo para mim.

a-vida-crista-normal-2-edicao-com-guia-de-estudosSe eu fosse cego, não poderia distinguir a cor, e se me faltasse a faculdade de ouvir, não poderia apreciar a música. A música e a cor, no entanto, são realidades que não são afetadas por minha capacidade ou incapacidade de apreciá-las. Aqui estamos considerando coisas que, embora não sejam vistas, são eternas e, portanto, reais. Evidentemente, não é com nossos sentidos naturais que poderemos “substancializar” as coisas divinas: há uma faculdade para “a substancialização das coisas que se esperam”, das coisas de Cristo — é a fé. A fé faz com que as coisas que são reais, sejam reais na minha experiência. A fé “substancializa” para mim as coisas de Cristo. Centenas de milhares de pessoas lêem Rm 6.6: “Foi crucificado com Ele o nosso velho homem”. Para a fé, esta é a verdade; para a dúvida, ou para o mero assentimento moral, sem a iluminação espiritual, não é verdade.

Lembremo-nos de que não estamos lidando com promessas, e sim, com fatos. As promessas de Deus nos são reveladas pelo Espírito, a fim de que nos apropriemos delas; os fatos, porém, permanecem fatos, quer creiamos neles ou não. Se não crermos nos fatos da Cruz, estes ainda permanecerão tão reais como sempre, mas não terão qualquer valor para nós. A fé não é necessária para tornar estas coisas reais em si mesmas, mas pode “substancializá-las” e torná-las reais em nossa experiência.

Qualquer coisa que contradiga a verdade da Palavra de Deus deve ser considerada mentira do Diabo. Ao fato maior declarado por Deus, deve-se curvar qualquer fato que pareça real ao nosso sentimento. Passei por uma experiência que servirá para ilustrar este princípio. Há alguns anos, encontrava-me doente. Passei seis noites com febre alta, sem conseguir dormir. Finalmente, Deus me deu, através das Escrituras, uma palavra pessoal de cura e, portanto esperava que se desvanecessem imediatamente todos os sintomas da enfermidade.

Ao invés disso, não conseguia conciliar o sono, e me senti ainda mais perturbado; a temperatura aumentou, o pulso batia mais rapidamente e a cabeça doía mais do que antes. O inimigo perguntava: “Onde está a promessa de Deus”. “Onde está a sua fé? Qual o valor das suas orações”? Desta forma, senti- me tentado a levar o assunto de novo a Deus em oração, mas fui repreendido por esta escritura que me veio à mente: “A tua palavra é a verdade” (João 17.17).

Se a palavra de Deus é verdade, pensava, então o que significam estes sintomas? Devem ser todos eles mentiras. Assim, declarei ao inimigo: “Esta falta de sono é uma mentira, esta dor de cabeça é uma mentira, esta febre é uma mentira, esta pulsação elevada é uma mentira. Em face do que Deus me disse, os presentes sintomas de enfermidade são apenas as tuas mentiras, e a palavra de Deus, para mim, é a verdade”. Em cinco minutos, eu já estava dormindo, e, na manhã seguinte, acordei perfeitamente são.

Ora, num caso pessoal como este, há a possibilidade de eu me ter enganado a respeito do que Deus dissera, mas jamais poderá haver qualquer dúvida quanto ao fato da Cruz. Devemos crer em Deus, não importa quão convincentes pareçam os instrumentos de Satanás.

Um mentiroso, habilmente, não só por palavras, mas também por gestos e atos, pode passar tão facilmente uma moeda falsa, como dizer uma mentira. O Diabo é um mentiroso hábil e não podemos esperar que ele, ao mentir, se limite ao emprego de palavras. Ele recorrerá a sinais e sentimentos e experiências mentirosas nas suas tentativas de abalar a nossa fé na Palavra de Deus. Permita-se-me esclarecer que não nego a realidade da “carne”. Ainda terei muito mais para dizer acerca deste assunto, no nosso estudo. No momento, porém, estou tratando da nossa firmeza na posição que nos foi revelada em Cristo. Logo que aceitamos que a nossa morte em Cristo é uma realidade, Satanás envidará seus melhores esforços para demonstrar, convincentemente, pela evidência da nossa experiência diária, que longe de estarmos mortos, ainda estamos bem vivos. Assim temos que escolher: acreditaremos na mentira de Satanás ou na verdade de Deus? Vamos ser governados pelas aparências ou pelo que Deus diz?

Estou eu morto em Cristo, quer o sinta, quer não. Como posso ter a certeza disso? Porque Cristo “morreu; e desde que “um morreu por todos, logo todos morreram” (II Co 5.14). Quer a minha experiência o comprove, quer pareça desaprová-lo, o fato permanece inalterável. Enquanto eu permanecer naquele fato, Satanás não poderá prevalecer contra mim. Lembremo-nos de que o seu ataque é sempre contra ã nossa certeza. Se ele puder nos fazer duvidar da Palavra de Deus, então o seu objetivo é alcançado, e ele nos mantém sob o seu poder; mas se descansamos, inabaláveis, na certeza do fato declarado por Deus certos de que Sua obra e Sua Palavra são imutáveis, poderemos rir de qualquer tática que Satanás adotar.

“Andamos por fé, e não pelo que vemos” (II Co 5.7). Você provavelmente conhece a ilustração do Fato, da Fé e da Experiência que caminhavam no topo de uma parede. O Fato caminhava na frente, firmemente, não se voltando, nem para a esquerda nem para a direita, e sem nunca olhar para trás. A Fé seguia-o e tudo andou bem enquanto conservou os olhos postos no Fato; mas, logo que se preocupou com a Experiência, voltando-se para observar o progresso desta, perdeu o equilíbrio e caiu da parede para baixo, e a pobre da Experiência caiu com ela.

Toda a tentação consiste, primariamente, em desviar os olhos do Senhor e deixar-se impressionar com as aparências. A fé sempre encontra uma montanha, uma montanha de experiências que parecem fazer da Palavra de Deus, uma montanha de aparente contradição no plano de fatos tangíveis — dos fracassos nas atitudes, bem como no plano dos sentimentos e sugestões — então, ou a Fé ou a montanha tem que sair do caminho. Não po- dem permanecer ambas. Mas o que é triste é que, muitas vezes, a montanha fica e a fé vai embora. Isto não deveria ser assim. Se recorrermos aos nossos sentidos na busca da verdade, verificaremos que as mentiras de satanás muitas vezes condizem com a nossa experiência; se, porém, nos recusamos a aceitar como obrigatória qualquer coisa que contradiga a Palavra de Deus e mantiver-mos uma atitude de fé exclusivamente nEle, verificare- mos que as mentiras de Satanás começam a dissolver-se e que a nossa experiência vai condizendo progressivamente com a Palavra.

É a nossa ocupação com Cristo que produz este resultado, porque significa que Ele Se torna progressivamente real para nós, em situações reais. Em dada situação, vemos Cristo como real justificação, real santidade, real vida ressurreta — para nós. O que vemos objetivamente nEle, opera agora subjetivamente em nós — de maneira bem real no entanto — para que Ele seja manifestado em nós, naquela situação. Esta é a marca da maturidade. É isso que Paulo quer dizer na sua palavra aos Gálatas: “De novo sofro as dores de parto, até ser Cristo formado em vós” (4.19). A fé é a “substancialização” dos fatos de Deus, daquilo que é eternamente verdade.

Permanecer nEle

Estamos familiarizados com as palavras do Senhor Jesus: “Permanecei em mim, e eu permanecerei em vós*’ (João 15.4). Elas nos lembram, mais uma vez, que jamais teremos que lutar para entrar em Cristo. Não nos mandam alcançar aquela posição, porque já estamos lá; a ordem é permanecermos onde já fomos colocados. Foi um ato do próprio Deus que nos colocou em Cristo, e nós devemos nEle permanecer.

Além disso, este versículo estabelece o princípio divino de que Deus fez a obra em Cristo e não em nós, como indivíduos. A morte e a ressurreição do Filho de Deus, que nos incluíram a todos, cumpriram-se, em primeiro lugar, plena e finalmente, à parte de nós. É a história de Cristo que tem que se tornar a experiência do cristão, e não temos experiência espiritual separadamente dEle. As Escrituras dizem que fomos crucificados com ELE, que nELE fomos vivificados, ressuscitados e sentados por Deus nos lugares celestiais, e que nELE estamos perfeitos (Rm 6.6; Ef 2.5,6; Cl 2.10). Não se trata precisamente de alguma coisa que ainda tenha que efetuar-se em nós (embora exista este aspecto). É algo que já foi efetuado em associação com Ele.

Verificamos, nas Escrituras, que não existe experiência cristã como tal. O que Deus fez, no Seu propósito gracioso, foi incluir-nos em Cristo. Ao tratar de Cristo, Deus tratou do cristão; no Seu trato com a Cabeça, tratou também de todos os membros. É inteiramente errado pensar que possamos experimentar algo da vida espiritual meramente em nós mesmos e separadamente dEle. Deus não pretende que adquiramos uma experiência exclusivamente pessoal e não quer realizar qualquer coisa deste gênero em você e em mim. Toda a experiência espiritual do cristão tem Cristo como sua fonte de realidade. O que chamamos a nossa “experiência” é somente a nossa entrada na história e na experiência de Cristo.

Seria ridículo se uma vara de videira tentasse produzir uvas vermelhas, e outra, uvas verdes, e ainda outra, uvas roxas; as varas não podem produzir uvas com características próprias, independentemente da videira, pois é a videira que determina o caráter das varas. Todavia, há crentes que buscam experiências, como experiências. Para eles, a crucificação é uma coisa, a ressurreição é outra, a ascensão é outra, e nunca se detêm para pensar que todas estas coisas estão relacionadas com uma Pessoa. Somente na medida em que o Senhor abrir os nossos olhos para ver a Pessoa, é que teremos qualquer experiência verdadeira. Experiência espiritual verdadeira significa que descobrimos alguma coisa em Cristo e que entramos na sua posse; qualquer experiência que não resulte de uma nova compreensão dEle está condenada a se evaporar muito rapidamente. “Descobri aquilo em Cristo; então, graças a Deus, pertence-me. Possuo-o, Senhor, porque está em Ti”. Que coisa maravilhosa conhecer as realidades de Cristo como o fundamento da nossa experiência!

Assim, o princípio de Deus ao nos fazer progredir experimentalmente, não consiste em nos dar alguma coisa, de nos colocar em determinadas situações a fim de nos conceder algo que possamos chamar de experiência nossa. Não se trata de Deus operar em nós de tal maneira que possamos dizer: “Morri com Cristo no mês de março passado”, ou “ressuscitei da morte no dia primeiro de janeiro de 1937”, ou, ainda, “quarta-feira pedi uma experiência definida e alcancei-a”. Não, esse não é o caminho. Eu não busco experiências em si mesmas, neste presente ano da graça. Não se deve permitir que o tempo domine o meu pensamento neste ponto.

Alguns perguntarão: e o que dizer a respeito das crises por que tantos de nós temos passado? Não há dúvida que alguns passaram por crises nas suas vidas. Por exemplo, George Muller podia dizer, curvando-se até ao chão: “Houve um dia em que George Muller morreu”. O que diríamos a isto? Bem, não estou duvidando da realidade das experiências espirituais pelas quais passamos, nem a importância das crises a que Deus nos traz no nosso andar com Ele; pelo contrário, já acentuei a necessidade que temos de ser absolutamente definidos acerca de tais crises em nossas vidas. Mas, a verdade é que Deus não dá aos indivíduos experiências individuais, e, sim, apenas uma participação naquilo que Deus já fez. É a realização no tempo das coisas eternas. A história de Cristo torna-se a nossa experiência e a nossa história espiritual; não temos uma história separadamente da Sua. Todo o trabalho, a nosso respeito, não é efetuado em nós, aqui, mas em Cristo. Ele não faz um trabalho separado, nos indivíduos, à parte do que Ele fez no Calvário. Mesmo a vida eterna não nos é dada como indivíduos: a vida está no Filho, e: “quem tem o Filho tem a vida”. Deus fez tudo no Seu Filho e incluiu-nos nEle; estamos incorporados em Cristo.

Ora, o que queremos frisar com tudo isto é que há um valor prático muito real na posição de fé que se expressa assim: “Deus me incluiu em Cristo e, portanto, tudo que é verdade a respeito dEle também se aplica a mim. Permanecerei nEle. Satanás sempre procura nos convencer, através de tentações, fracassos, sofrimentos, provações, que estamos fora de Cristo. O nosso primeiro pensamento é que, se estivéssemos em Cristo, não estaríamos neste estado e, portanto, julgando pelos nossos sentimentos devemos estar fora dEle; é então que começamos a orar: “Senhor, coloca-me em Cristo”. Não! O mandamento de Deus é que “permaneçamos” em Cristo, e é este o caminho do livramento. Mas por quê assim? Porque isso dá a Deus a possibilidade de intervir nas nossa vidas e realizar a Sua obra em nós. Assim, há lugar para a operação do Seu poder superior — o poder da ressurreição (Rm 6.4,9,10) – de modo que os fatos de Cristo se tornam progressivamente os fatos da nossa experiência diária e onde antes “o pecado reinou” (Rm 5.21), fazemos agora, com regozijo, a descoberta de que verdadeiramente já não servimos o pecado como escravos (Rm 6.6).

À medida que permanecemos firmes no fundamento daquilo que Cristo é, achamos que tudo o que é verdade a Seu respeito, se torna experimentalmente verdade em nós. Se,ao invés disto,viermos para a base daquilo que somos, em nós próprios, acharemos que tudo que é verdade a respeito da nossa velha natureza continua a ser verdade a nosso respeito. Se pela fé nos conservamos firmes naquela posição, temos tudo; se regressarmos a esta posição, nada temos. Assim é que tantas vezes vamos procurar a morte do nosso eu no lugar errado. E em Cristo que a encontramos. Se olhamos para dentro de nós mesmos, verificamos que estamos muito vivos para o pecado; se olhamos além de nós mesmos, para o Senhor, Deus determina que nestas condições, a morte se transforma em realidade, para que a “novidade de vida” se manifeste em nós. Estamos assim “vivos para Deus” (Rm 6.4,11).

“Permanecei em mim e eu em vós”. Esta frase consiste em um mandamento ligado a sua promessa. Quer dizer que o trabalho de Deus tem um aspecto objetivo e um subjetivo, e o lado subjetivo depende do objetivo; o “Eu em vós” é o resultado da nossa posição de permanência nEle. Devemos nos guardar de preocupação demasiada quanto ao lado subjetivo das coisas, o que nos levaria a ficar voltados para nós mesmos. Devemos permanecer naquilo que é objetivo — “permanecei em mim” — e deixar que Deus tome conta do aspecto subjetivo. Ele Se comprometeu a fazer isso.

Tenho ilustrado este princípio por meio da luz elétrica. Estamos num quarto e já está escurecendo; gostaríamos de ter luz para ler alguma coisa. Perto de nós, na mesa, há um abajur. O que devemos fazer? Devemos olhar atentamente para ele para ver se a luz se acende? Tornamos um pano para polir a lâmpada? Não, é só ir até o interruptor e ligar a corrente. É só voltar a nossa atenção à fonte de força, e tomando as devidas medidas ali, a luz se acende aqui.

Da mesma maneira, em nosso andar com o Senhor, a nossa atenção deve fixar-se em Cristo. “Permanecei em mim, e eu em vós” — esta é a ordem divina. A fé nos fatos objetivos os torna subjetivamente verdadeiros para nós. É assim que o apóstolo Paulo apresenta esta verdade: “Todos nós… contemplando… a glória do Senhor, somos transformados na sua própria imagem” (II Co 3. 18). O mesmo princípio domina na vida frutífera: “Quem permanece em mim, e Eu nele, esse dá muito fruto” (Jo (João 15.5). Não tentamos produzir fruto, nem nos concentramos no fruto produzido. A parte que nos toca é olharmos para Ele. Que o façamos, porque Ele Se encarrega de cumprir a Sua palavra em nós.

Como é que permanecemos em Cristo? “Vós sois de Deus em Cristo Jesus”. Coube a Deus nos colocar em Cristo, e Ele o fez. Agora, permaneçamos ali. Não voltemos para as nossas próprias bases. Nunca olhemos para nós mesmos, como se não estivéssemos em Cristo. Olhemos para Cristo, e vejamo-nos nEle. Permaneçamos nEle. Descansemos na verdade de que Deus nos incluiu no Seu Filho, e vivamos na expectativa de que Ele completará a Sua obra em nós. Cabe a Ele cumprir a gloriosa promessa de que “o pecado não terá domínio sobre vós” (Rm 6.14).

Watchman Nee
 

Watchman Nee (倪柝聲 pinyin: Ní Tuòshēng, 4 de novembro de 1903 – 1 de junho de 1972) foi um WatchmanNee01_300x400influente líder cristão chinês no período anterior ao regime comunista, morrendo na prisão vinte anos depois, em 1972. Nee To-sheng ou Watchman Nee, o grande líder cristão chinês, nasceu numa província do Sul da China. Em sua juventude, provou ser um indivíduo dotado de grande inteligência e um futuro promissor. Ele foi consistentemente o melhor aluno da Faculdade Trinity, adquirindo excelente histórico acadêmico. Nee, naturalmente, tinha grandes sonhos e planos para uma carreira cheia de realizações.

A VEREDA DO PROGRESSO: CONSIDERAR-SE – Watchman Nee [ IV ]

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